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A mostrar mensagens de março, 2021

Uma paisagem que regressa

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Havia uma paisagem no escuro; tangia no escuro; as ondas no escuro eram terra-de-siena e verde-musgo; nos sulcos mais fundos, um lilás preso a pétalas deixava escoltar as flores; e adivinhar a linha sinuosa traçada pelo canto melancólico do tordo-ruivo-comum, na sua passagem pela primavera. Havia uma paisagem no escuro. Que regressa.   Eugénia  

Nuvem branca

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                  mão de criança tenta afagar – a nuvem branca   . escreve o teu poema - numa folha em branco   Eugénia

Refloresce

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São dias de primavera: voeja a quietude – sobre a terra… imóvel, a cor do céu – em contraponto, o início da flor Eugénia

Através da janela

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Através da janela Momento um - Mãe, olha ali uma borboleta! – exclamou a menina. A mãe olhou, através da janela. E disse: - É tão puro, o voo branco.   Momento dois - Mãe, ouve o canto daquela ave! – exclamou a menina. A mãe olhou, através da janela. E disse: - É tão melodioso, o canto da cotovia.   Momento três - Mãe, já chegaram os vaga-lumes? – perguntou a menina. A mãe olhou através da janela. E pousou os olhos nas estrelas - devagar -, sem as magoar. A menina vestiu o pijama às riscas. Duas cores alternadas: branco puro e violeta cobalto. Deitou-se e adormeceu. Eugénia  

Era inevitável

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Era inevitável recordar                   o Jardim de Monet   Era uma luz       uma luz de inverno seguia os passos de um melro- -preto         azeviche   a prolongar-se pela tarde   mas   nem todas as asas são iguais   as asas daqueles dois melros juvenis       que por ali andavam tacteavam o ar                   com sobressaltos no desejo de voar   Qual não foi o meu espanto ao ver       depois de tanto esforço aquelas duas avezinhas                 a sobrevoarem flores                    brancas!   Eugénia

Cata-ventos

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Cata-ventos   A princípio era a calma absoluta A imensidão das searas pousadas A quietude das folhas das árvores A luz sossegada espreitava o tecido da noite. Depois o Vento chegou e tudo era movimento. Veio ter comigo Despenteou-me os cabelos Afagou seus dedos meu rosto. Viajei sobre ondas num barco à vela. Atravessei milhares de horizontes. Eram azuis, eram de água. Eram verdes, eram de terra ao fundo das planícies. Eram rochosos nos recortes dos montes. Vi Éolo soprando brisas sobre pétalas cativas ondeavam asas de borboleta. Vi Éolo dispersando pólenes das gramíneas giravam hélices de moinhos de vento. Borbulhavam rios no sopé dos leitos.   Vi Éolo. Guardião dos ventos. Vi seu vassalo Zéfiro vindo de oeste. Beijava Flora. Nasciam jacintos no chão – a seus pés. Vi. Ou sonhei?   Eugénia Texto que acompanhou um cata-vento leiloado na Escola Artística Soares dos Reis, ano 2012, com quem colaborei a convite de Carlos Sousa Ra

Desci a rua

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Desci a rua. Uma rua de olhar sereno sobre a árvore que me inspira. Envolta numa luz de fim de tarde particularmente bonita. E nada fazia prever aquele momento de luz invulgar propício a uma estória. Uma estória a guardar numa folha de caderno. Assim: Era uma vez. Uma rua. Uma rua de olhar sereno. Nessa rua havia uma árvore. E havia um menino. Próximo dessa árvore havia um parque. O parque tinha um balancé. Mas o menino não baloiçava no balancé. O menino preferia ficar parado defronte daquela árvore. Inclinava a cabeça, ora para um lado ora para o outro. E os seus cabelos baloiçavam. Caídos sobre os seus ombros. Enquanto o menino olhava, ora a frente ora o verso, de uma folha da cor de outono. Inundada de pedrinhas, umas azuis outras douradas, facetadas pela luz. Na paragem do vento. Onde residia a quietude da folha olhada pelo menino. A mãe do menino gostava de ver aqueles cabelos a baloiçarem. Eram vermelhos acastanhados. Exactamente a cor daquela folha que o menino gostava de pe

Rotunda da Boavista

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Naquela tarde de meados de março a humidade ia preenchendo, com todo o vagar, os vazios do azul-celeste. Por isso havia nele uma luz húmida, como rio estreito em queda; baixando das raízes do céu até à terra. Graças àquela luz interrompida, de inverno, podemos assistir ao restauro da primavera. Ser-nos-á, então, permitido contemplar com outra emoção os bancos de jardim a deixarem-se percorrer por uma luz renovada – uma luz que brilha; convidando-nos a sentar para que contemplemos, sem darmos pelo tempo, as árvores. Ou até lermos nas suas folhas, poesia – ritmos herdados do passado; segredos adentro nervuras. Podemos testemunhar o regresso dos chilreios; e questionarmo-nos sobre o nome dos pássaros que as visitam. Veremos a cor festiva das camélias a dar lugar ao recorte da folha do tulipeiro; à fragrância do âmbar; à lembrança daquela tisana de tília tomada em doce convívio, ao redor de uma mesa de esplanada; aos seus raminhos em flor. E descortinar o movimento, em choque, das

Texto para catálogo de exposição

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Rostos sonhadores e explosão dos sonhos   O perfil é longo, retilíneo. Lembra horizontes de pedra - uma pedra consistente, lisa, sem ornamentos; milenar. A linha dos lábios tem o rasto do calor humano o halo irremediável da inquietude                                                dos sonhos.   Há o mesmo halo na aparição das pétalas; nos umbrais de onde partem os voos ou sobre as velas guiadas pelo vento, em viagem; nos olhos dourados daqueles que traçam novos caminhos, divergindo de seus próprios passos, já dados.                                                  Os sonhos. A esperança que possuem. Percutem alicerces secos; desmoronam realidades áridas   como semente que incandesce a terra como brisa que desfia raios de luz nos rostos como nota musical que se solta da pauta numa explosão                                                de harmonias.   Eugénia (Texto para catálogo de Exposição de Pintura & Desenho «A dança dos

Pés descalços

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                      tear de luz –                       por entre fios de ouro                       pés descalços                         Eugénia  

Há cidades...

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Pedra e Vozes Há cidades onde é possível a neblina branca como bruma; o espanto a cair sobre pontes; e quando a neblina se esquece, o sol brilha como ouro antigo acendendo e apagando a mica do granito.                                                               Pedra. Há cidades onde as gaivotas inundam o céu nocturno sobre magnólias da avenida. Vistas fixamente no alto, tecem enlaces juvenis; agitam os tecidos celestes; regressam aos seus lares em hora tardia. No cansaço das asas.                                                               Vozes. Há cidades onde uma paixão rara nasce, moldada pela pedra cuja dureza nos inspira o sonho e nos une, torneando os alicerces da vida; enquanto as águas rodeiam os rochedos com espuma, vinda de um lugar fogoso do mar; as algas; os mil poentes onde os nossos olhos mergulham.                                                               Pedra. Há lugares feitos de palavras onde poetas nascem em

Tudo estava ali

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Deixam-nos ficar a olhar. Quando passamos.   Mil vezes passei por esta casa deixando-a despercebida; resguardada em seu casulo de anónima. Hoje, tornou-se-me atractiva, diria até, familiar: talvez pela existência daquela luz enovoada a escorrer pela varanda; a pavimentação em azulejo, tal teclado musical, iluminava-se. Abri ao acaso uma janela; e, com esse movimento de rotação lenta accionado por mim, arrastei imagens urbanas agarradas ao vidro. Entrei; tudo estava ali claramente, como palavra de poema, em folha de livro. A sua história era longa; a hora rolava brumosa. Agarrei na imaginação que já estava completa e saí. Mas antes, fechei a janela.   Eugénia  

Pequenas notas 12.

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Uma flor. uma flor de inverno. vejo nela a sua corola. assim. a confundir-se. em mim. com o gesto. preso ao passado. da tua mão. tão delicada. Uma flor. simplesmente uma flor.   Eugénia

Junto a casa

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                       assinalo                        no calendário                        o dia das nuvens brancas                        .                        será esta a casa bonita                        onde mora                        o canto do melro?                                           Eugénia  

Eu vi

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Olhei a manhã e vi o sol enfrentando a noite . colorindo ventos . colorindo folhas . enchendo nervuras .            água              aguarela                       verde-musgo                                    ocre-terra   Olhei a manhã e vi as aves soletrando voos . soletrando névoas . resgatando céus . confrontando estrelas .   Eugénia

Pequenas notas 11.

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A humidade ondeava vagamente. Compunha, somente, uma parte do cenário. Os pombos no sossego inquieto da seiva: as personagens. A luz:           ficou         no fundo    da neblina         sobre flores silvestres Eug é nia  

Aprendi o azul-celeste

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Era a hora do jantar. Era a atmosfera serena da Abadia.  -  Aprendi o azul-celeste no voo das asas  – disseste.         Desenho-te       uma alvéola       na toalha de papel.         Desenhas-me       um noi-       -tibó?   Eugénia

Diria...

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pudor? nos meus dedos - ao receber a essência do vento Diria que há ali. preso a velhos ramos. um mar de ondas. tocadas pelo inverno. sem ruído. resumido à inocência. E. tu. existindo. deixa que uma pétala. caia em tua mão. Sentirás o gesto. diáfano. do murmúrio.   Eugénia  

Porque estás triste...

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É inverno. onze horas. céu parcialmente nublado. diz-nos a meteorologia. saio. por instantes. por motivo essencial. e. sigo um caminho de jardim. olho ao meu redor. com olhar de visitante. pressinto. naquela atmosfera. a vocação de transformar o tempo em quietude. a lentidão da humidade. a ausência de vozes. a poesia nos ramos de árvore. . recolhe no teu olhar a arquitectura da ramagem . deduz a possibilidade de voar das sensações tácteis na ponta dos teus dedos . abre a janela para que uma pétala de sol possa entrar   Eugénia