O motivo era a dança...


O  que se passou naquele dia para que ainda hoje o tenha na minha memória?

 

A manhã pouco diferia das manhãs de outras primaveras – presas ao florescimento. No entanto, aquela manhã daquele dia buscava a mais eterna perfeição: trouxe com ela – abrigado – um fio de luz. Pelas doze horas deixou-o livre para que atravessasse rectilíneo o rectângulo de vidro – que é janela. E esse fio, certamente desejoso do bem que é carácter do belo, entrou na sala; reluziu o seu traço tanto, tanto, como se estivesse a fazer brilhar um ponto longínquo do universo. Pousou. Pousou num novelinho fechado que com o tempo se tinha formado num exíguo galho de arbusto, banhado em jarra de vidro coalhado. Enlevado. Pois, o que fazer, quando um novelinho vegetal quer ser tocado? E naquela turbulência do toque inventou – para que as escutássemos – uma multiplicidade de florinhas.

Do cadeirão onde me sento, ainda no início da noite, sinto o odor dito nocturno e doce projectado por aquelas florinhas dispostas em cacho. Inebriada, retomo uma estória de tempos antigos que no passado me contaram:

Foi na vereda de um jardim. O motivo era a dança; da floração. A sinfonia vinha do vento dedilhado pelos cabelos revoltos e finos de Zéfiro. A dois tons: o tom da brisa, verde leve; o tom do vento do oeste. Entra Clóris em cena. De deusa tinha a grinalda, a trança longa e caída com fitas enlaçadas tecidas a lazúli; e o debrum dos olhos cor de terra atenuada pelo verde fundo da íris. A túnica era de cambraia; com bordaduras de flores-de-cera. E nela, assim ténue, cabia toda a coloração da primavera. Contou-me quem sabe: deram as mãos; ensaiaram os passos; apropriaram-se dos ritmos; dançaram. De longe, o par dançarino – Clóris e Zéfiro, apaixonados – era olhado pelas estrelas.

 

Eugénia


 

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